sexta-feira, 11 de março de 2011

03/40

o três é hoje um numeral tão dolorido

que talvez apenas a dor dum parto natimorto,

quando os dois não viram três, seja capaz de metaforizar a minha


o exame médico foi um blefe apenas menor que o blefe meu


é que trabalho mesmo eu não fiz

e antes dei


depois de preenchida a ficha que me examinou melhor que o médico

que só me olhou menos que a ela mesma

segui interrogativo ao trabalho


seriam meus motivos tão pequenos quanto os de alguma pessoa,

física ou jurídica

que vende seu (sub)superestimado trabalho apenas pelo cego

replicar do sistema???


lembrei do meu plano, que é antes uma tentativa de sobreviver a esse mundo

e achei que não, meus motivos são dignos


vesti portanto aquela calça de elástico tamanho m que tanto me sobrou as beiradas

decorei o delicioso cardápio em menos de vinte minutos e superei o primeiro desafio

adentrei o posto pra saber do veterano as manhas e maneiras de se dar com o lugar


o trabalho é simples

a aprendizagem é fácil

mas eu contudo não sou


é que de repente escorre uma gota gélida pela minha testa

não fosse a simpática bandana uma pizza seria salgada a mais

eu tento me focar, estralo os dedos das mãos na ânsia de me aliviar

mas só pra perceber que as palmas já estão embebidas naquele suor frio


limpo as mãos no avental rosa e ali ficam minhas impressões

como aqui também nas paredes, fantasmas de um outro tempo

e elas num repente, como se me repelissem, avançam sobre mim

me obrigam a buscar em outro canto o ar que já me faz tanta falta


fechos os olhos e respiro fundo

o cheiro das pizzas me oprime

vagueiam frios pelo estômago

encosto no balcão e olho o relógio


seria uma hora e meia o suficiente pra uma crise?


dissimulo minha situação

me sustento até o banheiro

só pra cair na mais pura solidão

e me entregar àquele desespero


choro copiosamente

como se isso não fosse um clichê do desespero

e sim a mais genuína manifestação de um homem

ainda que ali, meio


chamo a mãe como os fiéis chamam o pai

e saio dali antes que já não possa mais

passo um tempo surreal com ela

falo quando e quanto posso

ouço enquanto choro


-firma, que a ajuda vem

e amanhã é outro dia


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