enquanto andava as margens do rio em ipanema prestes a mergulhar o frio da onda e deixar-me encobrir e abençoar, ao olhar pra baixo através da refração da salobra água, achei um óculos que cego pousava náufrago no macio da areia. no impulso de ir ao encontro da nova onda abaixei-me para pegá-lo. era simples, grande mas não exagerado e de armação reta na sobrancelha, o que agradou meu semblante. a lente com tom quente, puxando rosáceos que alegram o horizonte.
voltei com o tal à canga seca onde estavam minha amiga e um outro tal que se fez simpático o bastante pra ganhar espaço na sombrinha do mineiro. belo e estranho o sujeito. um daqueles parasitas que encantam mas não convencem. sua presença durou pouco e não posso dizer que foi agradável, senão estranha. além da latinha que eu paguei pra ele pediu-me também o achado assim como pedem o fogo emprestado. eu confessei já ter pensado em dá-lo mesmo, mas não o fiz.
ele foi sem levar nem a simpatia.
eu fiquei com o tesouro e o trouxe pra essa terra firme.
aqui ele ficou quieto entre objetos que fazem minha estante. nunca foi mais que um achado e nunca teve importância até o dia em que esqueci o meu corriqueiro na casa de uma amiga.
daí ele voltou a ser aquilo que deveria, não um bibelô de escrivaninha, mas um óculos de sol. creio que foi a necessidade, mas antes eu não o tinha achado tão belo, como acontece com pessoas que só nos chamam a atenção depois de certo convívio. passei a usá-lo em sua plenitude e nos dávamos bem. parecia promissora a relação e eu já agradecia a providência que atentou-me para tal. até que ela mesma tirou-o de mim.
amanheci tarde e no ócio do dia aceitei o convite de paikea, meu amigo baleia, para acompanhá-lo à humidade da cachoeira. as gotículas nos poros e o cheiro líquido lhe restauram, cetáceo de sertão coça com o que tem. e lá, na onda do momento, atendendo ao pedido do coro das águas que falava por ele, deixei-me convencer de que não seria má ideia sentar-me no banquinho imaginário sobre o qual paikea, com grossas pernas de tenras postas, sentava-se na rocha. a súbita ideia de que eu deveria dar-me ao tal ridículo, já que mal não há, levou-me a subir no referido rochedo que estava ás margens da água que desce metros pela mirandinha e dobrar os joelhos pra sentar fazendo o inevitável gesto de inclinar o dorso para a frente. e o tal dois olhos, que protegera os meus até então, saltou do meu colo donde pendurava-se para cair de volta à fluidez das correntezas...
quiseram até pegá-lo se fosse possível e chegaram mesmo a procurar.
mas eu já o tinha resignadamente dado, como o recebi.
cast, falando em par de lentes. Aquelas que descançam sobre meu cubículo espaço, caíram super bem no rosto-espelho do lado de cá. rs
ResponderExcluirirei aprecia-lo em alguma vortinha pela terra de sol quente!
daí devolvo-lhe!
bjinho.
Oi Quéstor! tem escrita de poeta e de artista. a intimidade com "nosso amigo baleia" é clara na simplicidade das palavras. adorei o fato do óculos seguir seu destino no caminho das águas!!
ResponderExcluirbeijo grande!